ENTRE A FERIDA E A LIBERDADE”
O perdão é um encontro entre dois: o traidor e o traído. O primeiro carrega o peso da falta cometida, mesmo que tente ocultá-la sob o véu do esquecimento; o segundo guarda em si a ferida narcísica, a ruptura de uma confiança que parecia inabalável. Entre ambos, ergue-se um abismo: a dor de quem foi ferido e a culpa — ou o vazio — de quem feriu.
Na leitura psicanalítica, perdoar não é apagar a memória, mas transformá-la em travessia. A cicatriz não se desfaz, mas deixa de sangrar. O perdão abre caminho para que o trauma não congele o sujeito no ódio, mas se converta em elaboração. Não é uma absolvição do outro, mas uma libertação de si.
Filosoficamente, como lembra Derrida, só se perdoa o imperdoável, pois o que é leve demais não precisa de perdão. O ato de perdoar, portanto, é radical e paradoxal: acolher a falta sem apagá-la, decidir continuar apesar dela. É um gesto que rompe a lógica da vingança e abre a possibilidade de futuro.
Assim, o perdão nunca é simples. Ele requer dois, mas repousa sobretudo na coragem do traído: a coragem de não se tornar prisioneiro do ressentimento, de não deixar que a ferida se torne destino. Perdoar é um ato de emancipação subjetiva. Não é favor, não é esquecimento, não é reconciliação automática — é a ousadia de transformar a dor em abertura e, no impossível, encontrar liberdade.