O ESPELHO E O DESEJO
Os espelhos da minha mente não são neutros. Refletem imagens marcadas pelo olhar do outro, pelas lembranças da infância, pelas feridas e pelos ideais que me constituíram. Muitas vezes, quando me olho nesse espelho interno, não encontro a mim mesmo, mas o pior do outro: a crítica que me desqualificou, a rejeição que me feriu, a humilhação que me fixou em um lugar de menos-valia. Nesse reflexo, acabo confundindo quem sou com a sombra de quem me atravessou, e minha própria imagem se transforma em cárcere.
Mas aprendi que o espelho não precisa aprisionar; ele também pode devolver o que há de mais vivo em mim: o meu desejo. Sei que minha identidade nasceu de imagens, como mostrou Lacan no estádio do espelho, mas percebo que essa imagem não é estática. Ela pode ser reatualizada, reinscrita, ressignificada. Em meu próprio processo de análise, vou aprendendo a distinguir o reflexo mortífero — aquele que me aprisiona no olhar do outro — da possibilidade de reconhecer-me como sujeito desejante, portador de singularidade e potência.
Refletir o melhor de mim não é me iludir com uma perfeição narcísica, mas romper com a tirania das identificações alienantes. É sustentar-me naquilo que não se reduz ao espelho, mas o atravessa: o que insiste, o que falta, o que aponta para além da repetição. O espelho da minha cabeça já não é apenas a superfície onde retorna o olhar do outro, mas o lugar onde posso, enfim, reencontrar-me com o mais íntimo e verdadeiro de mim.