NA BREVIDADE, A ETERNIDADE
A consciência da efemeridade da vida é, talvez, uma das experiências mais perturbadoras e, ao mesmo tempo, mais fecundas da condição humana. O texto inicial aponta para uma verdade que atravessa a tradição filosófica e teológica: o tempo revela a fragilidade do apego material e denuncia a inconsistência do egoísmo. Nessa perspectiva, a temporalidade deixa de ser mero dado cronológico e se torna condição ontológica de toda a existência.
1. O Tempo como Limite e Possibilidade.
Agostinho, nas Confissões, descreve o tempo como um mistério que escapa às nossas mãos. Não podemos retê-lo, apenas experimentá-lo no fluxo que se desfaz. A vida, sendo temporal, é continuamente corroída pela morte, e nesse sentido todo projeto humano de fixação — seja no acúmulo de bens, seja na glória efêmera — está condenado à frustração. Para o bispo de Hipona, a verdadeira permanência só se encontra em Deus, o eterno, em contraste com a precariedade do mundo material.
Séculos depois, Pascal, em seus Pensamentos, radicalizou esse abismo: o homem, perdido entre a infinitude e o nada, busca nos divertimentos e no acúmulo material um modo de escapar da angústia de sua finitude. Porém, quanto mais tenta escapar, mais se aliena de sua própria condição. É nesse ponto que a efemeridade se torna mestra: ela nos arranca da ilusão da autossuficiência e nos convoca a reorientar o coração para o essencial.
2. A Existência como Ser-para-a-Morte.
A filosofia existencial do século XIX e XX recolocou essa questão em outros termos. Kierkegaard via no desespero do homem moderno o reflexo de uma vida que se esqueceu de sua dependência do eterno. Para ele, viver autenticamente é reconhecer-se diante de Deus, aceitando a finitude como limite e abertura para a transcendência.
Heidegger, por sua vez, despojou a questão de seu caráter teológico e a inseriu no horizonte ontológico. O ser humano é um ser-para-a-morte; sua autenticidade depende da assunção consciente desse destino. O materialismo, nessa ótica, não é apenas uma prática social, mas uma forma de inautenticidade: o apego ao que é passageiro como se fosse eterno. Quando o homem vive “de braços dados” com o materialismo, oculta de si a verdade mais elementar — a de que sua existência é finita.
3. A Crítica ao Materialismo e o Chamado à Partilha.
Nietzsche, mesmo afastando-se da tradição cristã, também via na ilusão do acúmulo e do amanhã uma forma de negação da vida. Para ele, o homem deveria aprender a afirmar o instante, a viver como se cada momento fosse eterno (eterno retorno). O apego às promessas de amanhã — que “já não existe”, como assinala o texto — é uma recusa da vida tal como ela é.
Dessa maneira, a consciência da finitude não conduz necessariamente ao niilismo, mas pode abrir caminho para uma ética da partilha. Quando se reconhece que “nos restam apenas alguns poucos anos”, desloca-se o eixo da vida do ter para o ser. Surge, então, a solidariedade como resposta ao egoísmo, não por mera moralidade externa, mas pela consciência de que o outro compartilha da mesma fragilidade. O que possuímos, possuímos apenas por empréstimo; por isso, faz sentido dividir com aqueles que têm menos.
4. Espiritualidade como Resistência ao Nada
A espiritualidade que se opõe ao materialismo não precisa ser reduzida à crença religiosa institucional, mas pode ser entendida como abertura ao que transcende o imediato. Trata-se da experiência de valorizar o que não se deixa corroer pelo tempo: a amizade, o amor, a solidariedade, o sentido. Kierkegaard chamaria isso de “fé”, Agostinho de “Deus como descanso da alma”, Heidegger de “habitar o instante autêntico”. Em qualquer caso, é a recusa de reduzir a vida ao cálculo utilitário e ao gozo material.
Conclusão
A reflexão sobre a efemeridade não é mera contemplação pessimista, mas convite a uma vida mais lúcida. Pascal já advertia que “os homens são tão infelizes que não conseguem permanecer sozinhos em silêncio em um quarto”, buscando distrações para fugir da morte. O texto inicial, em contrapartida, nos chama a não fugir, mas a encarar o tempo como mestre.
Se o amanhã não existe, resta o presente — não como instante vazio, mas como espaço de decisão ética e abertura espiritual. Viver, então, é aprender a deixar de lado o supérfluo, a partilhar o que temos e a cultivar o que permanece. A morte, longe de ser mera ameaça, é a pedagoga da autenticidade.
Assim, a vida breve não nos aprisiona; antes, liberta-nos do peso inútil das ilusões. É no limite do tempo que se abre a possibilidade de eternidade.
Prado, Bahia, 17 de Agosto de 2012.