A VIDA DÁ VOLTAS 

Àquele dia, ele precisava de um valor em reais. Um valor modesto para muitos, mas naquele momento representava tudo. Seu instrumento de trabalho estava quebrado precisando de reparos estava na oficina havia duas semanas, e sem ele, não havia como gerar renda. Enquanto isso, as contas do cotidiano e os boletos do mês se acumulavam como um fardo crescente sobre seus ombros.

Diante da urgência, decidiu engolir o orgulho. Escreveu um texto sincero, explicou sua situação com detalhes — alguns até constrangedores — e enviou a dez pessoas que considerava amigas. Recebeu dez respostas parecidas: "não tenho".

Mas o que mais o feriu não foi o “não”, foi a ausência de gesto, de empatia, de humanidade. Sabia, no íntimo, que todos ali tinham condições de ajudar — ou, ao menos, meios para tentar. Mas preferiram não fazer.

Nesse momento, ecoou em sua memória uma frase antiga, dita por seu pai: "Não existe amigo." Por ironia do destino, ele próprio já havia discutido com o pai no passado, defendendo um desses "amigos" com veemência, acreditando na lealdade de quem agora lhe virava as costas.

Sentiu um aperto estranho no peito ao ler as justificativas. Reconheceu nelas a indiferença. A falta de reciprocidade. E, mais que tudo, o esquecimento. Afinal, ele nunca mediu esforços para ajudar ninguém. Sempre esteve disponível. Inclusive para alguns daqueles mesmos que agora recusavam seu pedido.

Mas a vida é cíclica. Ela gira. Dá voltas. E ele segue. Com menos ilusões, com mais silêncio e, sobretudo, com a dignidade intacta. Porque é nas dores mais solitárias que se revelam as verdades mais profundas. A decepção ensina. A ausência lapida. E o amor-próprio — esse, quando desperto — não permite mais migalhas. Ele aprendeu. E vai continuar. Mais firme. Mais real.