“É MELHOR O DIABO CONHECIDO DO QUE O DESCONHECIDO?”
Este dito popular, “é melhor o diabo conhecido do que o diabo desconhecido”, tem atravessado gerações como uma justificativa para a permanência em situações ruins, mas familiares. Por trás dessa frase, esconde-se uma complexa estrutura psíquica marcada pelo medo do novo, pelo apego à zona de conforto e por mecanismos de defesa profundamente humanos.
A expressão sugere que é preferível lidar com algo ruim, mas já conhecido, do que se arriscar a enfrentar algo desconhecido, ainda que possa ser melhor. Na psicanálise, essa atitude se relaciona com o princípio do prazer, que busca evitar o desprazer imediato, mesmo que à custa de um bem maior a longo prazo. Freud também apontava que o sujeito, frequentemente, repete padrões sofridos porque há ali uma familiaridade inconsciente. O sofrimento conhecido oferece um tipo de "segurança psíquica", mesmo que doentia.
Na vida cotidiana, esse ditado se manifesta em diversas áreas: pessoas que permanecem em relacionamentos tóxicos, empregos opressores, hábitos autodestrutivos ou contextos que há muito já se tornaram insalubres. O “diabo conhecido” passa a ser menos assustador do que o “vazio” de uma escolha nova — porque o desconhecido exige autonomia, decisão e coragem. E isso assusta.
Entretanto, ao permanecer no sofrimento por medo de algo pior, o sujeito renuncia à possibilidade de crescimento, de reinvenção e de liberdade. É como preferir a prisão porque as grades já não incomodam tanto quanto a possibilidade de se perder lá fora. Mas será que viver é mesmo sobreviver dentro do que já se conhece? Ou viver é, necessariamente, também arriscar?
Sair do conhecido é, de fato, desafiador. Não há garantias. O novo pode, sim, ser outro "diabo". Mas também pode ser a cura. Pode ser o que salva, o que transforma, o que liberta. E, mais do que isso: o que ensina. Porque é no encontro com o desconhecido que o sujeito se confronta com sua própria potência — e com sua verdade.
Assim, a sabedoria não está em temer o desconhecido, mas em desenvolver critérios internos para enfrentá-lo com lucidez. O “diabo” que se conhece pode estar corroendo a alma. E às vezes, o “desconhecido” é apenas um espelho que ainda não se ousou olhar.
Portanto, não, não é sempre melhor o diabo conhecido. Às vezes, o salto no escuro é o único caminho para ver a luz.