O TEMPO EM QUE NAVEGO
Escondo o olhar, com medo de que vejam minhas lágrimas.
Aos poucos, me transformo — torno-me parte de um mundo sombrio,
distante, frio, como o tempo lá fora.
Navego entre sonhos e ilusões,
por caminhos incertos,
destinos desconhecidos,
e os áridos sertões da alma.
Mas ninguém vê o dia escuro que me habita.
Ninguém olha para dentro de mim,
ninguém ousa mirar a profundidade da minha dor.
Meus sentimentos passam despercebidos.
As pessoas se deixam levar apenas por si mesmas,
esquecem-se de mim, ignoram-me como ser.
Apelo então à poesia —
minha única morada, meu último refúgio.
Mas até meus versos parecem não alcançar ninguém.
Perderam-se nos mundos alheios,
nos quais a luz já não consegue emergir.
E eu...
eu me deixo ficar assim, suspenso, calado,
sem alma, sem eco, sem resposta.
Até que o cinza do dia me domine por inteiro
e me transforme, enfim,
num poeta mudo.
Autor: Jeovan Rangel
Prado, Bahia, 9 de junho de 2018.
Leitura Interpretativa
Um retrato lírico da solidão invisível
O poema mergulha em uma atmosfera densa, marcada pela introspecção e pelo sentimento de invisibilidade existencial. O eu lírico revela um processo de afastamento emocional e social, expressando a dor de não ser visto, reconhecido ou compreendido por aqueles ao seu redor.
“Escondo o olhar, com medo de que vejam minhas lágrimas.”
Logo no primeiro verso, há uma negação do próprio sofrimento — não por ausência de dor, mas por vergonha ou medo do julgamento alheio. Isso revela um traço comum em experiências depressivas: o desejo de ocultar a própria fragilidade.
“Torno-me parte de um mundo sombrio, distante, frio...”
O tempo exterior funciona como metáfora do estado interior. O clima, o cenário árido e sombrio refletem o emocional do sujeito poético. Ele está emocionalmente exilado, em um mundo inóspito.
“Ninguém vê o dia escuro que me habita.”
Aqui, o autor atinge um ponto central: a dor invisível. A solidão não é apenas a ausência de companhia, mas a presença constante de uma sensação de abandono mesmo em meio a outros. Trata-se da dor de ser ignorado na essência — não ser reconhecido como um ser sensível.
“Apelo então à poesia — minha única morada, meu último refúgio.”
A poesia surge como tentativa de sobrevivência. É linguagem-salvadora, porto seguro diante do naufrágio emocional. No entanto, nem ela parece surtir efeito. Os versos não encontram eco. O silêncio externo amplia o vazio interno.
“Perderam-se nos mundos alheios, nos quais a luz já não consegue emergir.”
Essa imagem sugere um mundo coletivo ensimesmado, fechado em suas próprias preocupações e indiferença. A sensibilidade, outrora canal de comunicação entre almas, agora se vê barrada por muros invisíveis.
“Até que o cinza do dia me domine por inteiro e me transforme, enfim, num poeta mudo.”
A conclusão é desoladora. O poeta — símbolo da sensibilidade, da expressão, da tentativa de comunicar o inominável — se vê silenciado. O cinza, metáfora da apatia e da resignação, apaga o último vestígio de luz e voz.
Síntese:
“O Tempo em que Navego” é um poema de angústia, mas também de resistência. Ainda que termine com a imagem do poeta silenciado, o simples fato de o poema existir já é um grito — ainda que abafado — de alguém que insiste em ser ouvido.
É um testemunho lírico da dor silenciosa que muitos sentem e poucos percebem.
Se desejar, posso criar também uma introdução ou texto de apoio para publicação, explicando a importância do poema em contextos emocionais ou sociais. Deseja seguir por esse caminho?