DO BARRO AO VERBO
UMA TRAVESSIA NORDESTINA DE PENSAMENTOS
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Textos

VOLTAR PARA TE PERDER DE NOVO

 

Querida mamãe,

 

Hoje, depois de tanto tempo, meus passos — quase sem que eu percebesse — me levaram até você. Até aquele pedaço de chão onde seu nome resiste, gravado numa cruz simples, meio torta, meio esquecida pelo tempo.

 

Por tanto tempo eu evitei esse lugar… Talvez por medo, talvez por teimosia, talvez pela tentativa de acreditar que, se eu não viesse até aqui, você continuaria viva dentro de mim de um jeito mais leve, menos doloroso. Na minha cabeça, você nunca esteve de fato aqui, nesse pedaço de terra fria. Você sempre esteve — e está — nas lembranças, nos cheiros, nos gestos que, vez ou outra, surgem do nada e me atravessam como uma lâmina fina e certeira.

 

Mas hoje não. Hoje foi diferente. Hoje algo me puxou. Talvez a saudade, talvez o cansaço de carregar o peso de ser sem você. Talvez, mamãe, seja só essa sensação amarga de estar cada vez mais só neste mundo que, sem você e sem meu pai, parece mais vazio, mais largo, mais estranho.

 

Me vi ali. Diante daquela cova rasa. E, por alguns segundos, fui levado de volta no tempo. Voltei a ser aquele menino de cinco anos que te chamava de mundo e que acreditava que nós três — eu, você e meu pai — éramos tudo o que existia de mais sagrado na vida. Os três porquinhos, lembra? Assim eu nos chamava, com aquela inocência que só a infância permite.

 

Mas hoje, mamãe… hoje não tinha mais infância, nem inocência, nem refúgio. Só esse aperto no peito, esse nó na garganta e esse silêncio ensurdecedor que mora entre uma lágrima e outra.

 

Fiquei te procurando. Procurei em cada grão daquela terra que agora te guarda. Procurei nas flores secas, na coroa desfeita, na cruz que insiste em não cair. Quis encontrar um pedaço seu, uma ponta da sua presença, um cheiro, um sussurro. Qualquer coisa. Mas tudo o que encontrei foi ausência.

 

E ali, parado, chorando feito criança, me veio uma verdade que, talvez, eu estivesse evitando há anos: eu estou cada vez mais só. E, no fundo, esperando, mamãe… esperando que, um dia, meu tempo também chegue. Que eu possa, quem sabe, voltar a ser aquele menino dos três porquinhos… e encontrar vocês de novo. Em algum lugar onde a ausência não exista mais.

 

Com amor,

Do filho que nunca vai te esquecer.

 

Jeovan Rangel
Enviado por Jeovan Rangel em 29/05/2025