A FELICIDADE FALSA E A DITADURA DA APARÊNCIA NAS REDES SOCIAIS.
Vivemos em um tempo em que a exposição tornou-se uma regra não escrita. As redes sociais criaram não apenas um espaço de conexão, mas também um grande palco onde cada indivíduo, consciente ou não, atua diariamente. Nesse palco, parecer feliz, bem-sucedido e pleno tornou-se quase uma obrigação.
Mas o que isso significa para nossa saúde mental, para nossa construção subjetiva e para nossa autenticidade?
A psicanálise nos ajuda a entender esse movimento. Freud já apontava que o ser humano vive em constante tensão entre seus desejos internos e as exigências do meio social. Ao longo da vida, aprendemos a recalcar partes de nós — angústias, dores, frustrações — para nos tornarmos "aceitáveis" dentro dos moldes culturais. No entanto, o ambiente digital potencializa esse mecanismo a níveis quase patológicos.
O sociólogo Zygmunt Bauman, em sua análise da modernidade líquida, aponta que vivemos relações frágeis, voláteis e marcadas pela superficialidade. Nesse contexto, as redes sociais oferecem uma ilusão de pertencimento, onde somos validados não pela profundidade do nosso ser, mas pela estética da nossa aparência — pela quantidade de likes, seguidores e pela narrativa cuidadosamente editada da nossa própria vida.
Leandro Karnal, filósofo contemporâneo, é incisivo ao dizer: “Pare de postar felicidade falsa que não convence mais ninguém há muito tempo — nem a você mesmo.” Esta frase toca diretamente na ferida do nosso tempo: estamos vivendo para sermos olhados, mais do que para sermos.
A busca incessante por aprovação gera o que Karnal chama de "biografias vazias": vidas que se estruturam mais na validação externa do que na construção de um sentido interno e autêntico. É como se, na ânsia de sermos aceitos, terceirizássemos nossa autoestima para o olhar do outro.
Do ponto de vista psicológico, isso alimenta um ciclo de ansiedade, insegurança e sofrimento psíquico. Carl Jung, psiquiatra suíço, alertava que “aquilo que você nega, te submete; aquilo que você aceita, te transforma”. Quando negamos nossas vulnerabilidades e dores em prol de uma fachada de felicidade permanente, nos afastamos de nós mesmos.
Há aqui uma profunda desconexão entre o self (o eu verdadeiro) e a persona (a máscara social). A persona, conceito junguiano, é necessária para a convivência social, mas quando ela se torna um substituto do self, surge o vazio existencial, a sensação de que estamos atuando na nossa própria vida.
Filosoficamente, isso também dialoga com a crítica de Kierkegaard sobre a “multidão”. Para ele, viver para agradar à massa — ao olhar dos outros — é abdicar da própria individualidade e se perder num mar de superficialidades.
No fim, a grande questão é: estamos vivendo uma vida que realmente nos pertence ou apenas encenando uma versão editada de nós mesmos para atender expectativas alheias?
Talvez a verdadeira liberdade esteja em aceitar que ser humano não é estar feliz o tempo todo. É abraçar as alegrias, sim, mas também as tristezas, os conflitos, as imperfeições — porque é justamente nisso que mora a autenticidade.
Como dizia Shakespeare, “confinado numa casca de noz, poderia me considerar rei de um espaço infinito”. A felicidade real não mora na vitrine digital, mas na construção silenciosa, íntima e honesta da própria vida.