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TENHO SÉRIOS POEMAS NA CABEÇA (Autor: Pedro Salomão)
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A DOR DE NÃO SE PERMITIR SENTIR

 

Podemos dizer que o que Josef Breuer — colega e amigo de Freud, pelo menos na época — identificou nos sintomas de sua paciente clássica, Ana O., foram processos de compensação. O caso de Ana O. teve importância capital no desenvolvimento da psicanálise, sendo analisado em detalhes no livro Estudos sobre a Histeria, escrito por Breuer em parceria com Freud.

 

Breuer desenvolveu o chamado método catártico com base nesse caso. Esse método foi o embrião da terapia psicanalítica. Freud aprendeu com Breuer a utilizar essa técnica, experimentando-a com diversos pacientes. Com o tempo, ele foi percebendo suas limitações e acabou criando uma técnica mais refinada e eficaz, que chamou de psicanálise. Podemos dizer, então, que a psicanálise é uma evolução do método catártico.

 

Mas esse não é nosso foco aqui. Meu interesse neste momento é falar sobre os processos de compensação que encontramos no adoecimento emocional.

 

Breuer observou que Ana O. apresentava melhora e perdia certos sintomas quando colocava para fora sentimentos reprimidos. Ela havia acumulado várias reações emocionais que não foram expressas, e quando, no contexto da relação terapêutica, conseguia verbalizá-las, os sintomas desapareciam. Assim, podemos entender que esses sintomas funcionavam como uma forma de compensação para aquilo que ela reprimiu. Ou seja, no lugar das emoções que ela não expressou, surgiram sintomas.

 

Um exemplo claro: entre os diversos sintomas, Ana O. desenvolveu uma aversão a líquidos. Ela não conseguia tomar água nem sucos — chegou a correr risco de desidratação. Só não ficou totalmente desidratada porque conseguia consumir um pouco de líquido por meio de frutas.

 

Com o uso do método catártico, Breuer descobriu a origem desse sintoma. Ana O. havia visto o cachorro da dama de companhia bebendo água num copo que provavelmente era usado pelas pessoas da casa. Ela se sentiu indignada, mas não expressou esse sentimento. Não confrontou a dama de companhia, não falou sobre o que sentiu. Em vez disso, reprimiu essa indignação. Como resultado, surgiu o sintoma: a aversão a líquidos.

 

Essa dinâmica psíquica, em que um sintoma aparece para substituir uma emoção reprimida, foi chamada por Freud de retorno do recalcado.

 

Mas o que significa “recalcar”? Recalcar é excluir ou impedir que um conteúdo entre ou permaneça na consciência. Esse conteúdo, no entanto, não desaparece — ele vai para o que chamamos, em psicanálise, de inconsciente, uma região inacessível à consciência imediata.

 

E por que recalcar? Recalcamos por culpa, por vergonha, porque aquele conteúdo é incompatível com a imagem idealizada que temos de nós mesmos. No caso de Ana O., sentir raiva ou indignação era incompatível com a imagem de moça bem-comportada que ela queria manter. Assim, ela reprimiu a emoção.

 

Mas aqui entra a grande descoberta da psicanálise: o que foi recalcado não fica quieto. Ele quer voltar, busca o tempo todo retornar à consciência. É como se dissesse: “Você vai ter que me reconhecer, de um jeito ou de outro.”

 

O Raimundo Fagner expressa isso bem na música Revelação:

"Sentimento ilhado, morto, amordaçado... volta a incomodar."

 

Sempre que reprimimos um conteúdo, acabamos obrigados a lidar com ele quando ele tenta retornar. Só que como ele nos causa vergonha, medo ou culpa, tentamos mantê-lo afastado — e isso exige força psíquica, que a psicanálise chama de resistência. Só que o recalcado é insistente. Ele não para de bater na porta. Então o sujeito precisa criar algo para compensar sua ausência na consciência — e muitas vezes o que se cria é justamente um sintoma, uma inibição ou um comportamento patológico.

 

Vou dar alguns exemplos para tornar isso mais concreto:

 

1. Pessoas que reprimem a agressividade:

Elas não suportam se ver como alguém que sente raiva ou deseja o mal. Querem manter uma imagem de seres angelicais. Para compensar essa repressão, podem se tornar exageradamente simpáticas, boazinhas demais, sempre sorridentes, querendo agradar a todos. Mas por trás dessa aparência doce, há uma agressividade reprimida batendo na porta.

 

2. Pessoas que reprimem a culpa:

Por exemplo, alguém que se sente inconscientemente culpado por um término de relacionamento ou pela morte de um ente querido. Mas essa pessoa não quer se ver como culpada. Então ela reprime esse sentimento e, para compensar, pode assumir uma alegria exagerada, artificial, entrando até em estados de euforia, mania ou hipomania. Está sempre em movimento, cheia de energia — para não ter que encarar a culpa.

 

3. Pessoas que reprimem desejos sexuais considerados proibidos:

Elas não conseguem aceitar que têm tais desejos. Para compensar, podem se tornar extremamente moralistas, condenando duramente a conduta sexual alheia, adotando uma postura rígida e puritana. Por trás desse moralismo pode haver desejos reprimidos insistindo em voltar à tona.

 

O problema desses meios de compensação é que eles são altamente custosos. O sujeito pode se esgotar tentando mantê-los. Ou eles simplesmente deixam de funcionar. É como uma faca que, com o uso, perde o fio — não corta mais. Quando isso acontece, surge a angústia, que sinaliza o retorno do recalcado.

 

Por isso Freud dizia que o recalque é sempre insuficiente, sempre fracassa. Você pode criar todos os meios de compensação possíveis, mas eles nunca serão suficientes para conter aquilo que é verdade sua — por mais indesejável que seja.

 

Essa experiência de fracasso, apesar de dolorosa, pode ser muito produtiva. Porque quando a angústia reaparece, quando os meios de compensação param de funcionar, o sujeito pode finalmente se perguntar:

 

“Vale a pena continuar fugindo de mim mesmo?”

“Vale a pena continuar fingindo que não ouço as batidas na porta?”

 

Essa indagação pode levar alguém à decisão sábia de fazer análise. Porque na análise, essa pessoa encontrará o espaço e o suporte necessários para

abrir a porta e encarar o recalcado de frente.

 

 

Jeovan Rangel
Enviado por Jeovan Rangel em 09/04/2025