TERAPIAS DIRETIVAS E A PSICANÁLISE
Então, qual é essa diferença crucial entre as terapias diretivas e a psicanálise? É a seguinte: um terapeuta diretivo, ou seja, um terapeuta que trabalha com a perspectiva behaviorista radical, a perspectiva cognitiva ou comportamental, vai encarar as queixas apresentadas pelo seu paciente como problemas a serem resolvidos. Já o psicanalista vai encarar as queixas do seu paciente como mensagens a serem lidas e interpretadas. E essa diferença na maneira de olhar para as queixas do paciente é determinante para os rumos do processo terapêutico.
Para tornar isso mais palpável para você, eu vou te dar um exemplo clínico fictício baseado em fatos reais, como dizem nos filmes. Imagine uma moça, uma jovem que está sofrendo com preocupações excessivas. Tem muita gente que sofre com esse problema psicopatológico. É o sujeito que se preocupa exageradamente com possíveis riscos que eventualmente possa sofrer.
Por exemplo, aquela pessoa estudiosa que se prepara, mas antes de uma prova na faculdade entra em um estado de ansiedade tão intenso, de tamanho sofrimento desnecessário, que, apesar de estar preparada, imagina que não vai conseguir. Imagina que a prova será muito difícil, que tirará uma nota baixa, que não será aprovada na disciplina, não conseguirá concluir o curso e acabará morando debaixo da ponte. Essa pessoa experimenta o que os nossos colegas da terapia cognitivo-comportamental chamam de catastrofização: a tendência de imaginar os piores cenários possíveis.
Essa pessoa não se preocupa apenas com questões acadêmicas. Se ela trabalha, por exemplo, está o tempo todo preocupada com a possibilidade de ser mandada embora. Se tem amigos, preocupa-se com a possibilidade de que eles não tenham gostado de algo que ela disse. Essa moça, então, não consegue relaxar. Ela está o tempo todo em estado de alerta, como se estivesse vivendo em um território em guerra. Está sempre imaginando que algum perigo pode acontecer.
Então, ela decide procurar um médico, um psiquiatra. O psiquiatra receita um ansiolítico e um antidepressivo para ajudá-la a permanecer um pouco mais calma durante o dia. Receita também um ansiolítico para ajudá-la a dormir à noite, pois, devido a essas preocupações excessivas, ela já vinha tendo insônia. E o psiquiatra, se for bom, dirá a ela:
— Além dos medicamentos, seria muito importante que você fizesse terapia, porque os medicamentos ajudarão com os sintomas, mas esse problema que você tem será de fato tratado por meio da psicoterapia.
Essa moça, então, decide procurar um psicólogo para fazer terapia. Como acontece normalmente, pessoas leigas, que não fazem parte do campo da saúde mental, não sabem muito bem que existem diversas formas de psicoterapia. Vamos supor que essa moça marque uma consulta com um psicólogo indicado pelo psiquiatra. Esse psicólogo trabalha com uma terapia diretiva. Vamos supor que ele seja um terapeuta cognitivo-comportamental.
Muito provavelmente, logo nas primeiras sessões, esse profissional, que encara as queixas dos seus pacientes como problemas a serem resolvidos, fornecerá à paciente uma técnica para o controle da ansiedade e das preocupações. Uma técnica que ele provavelmente aprendeu em um dos diversos manuais de terapia cognitiva-comportamental para transtornos de ansiedade.
Sabendo disso, ele rapidamente disponibiliza essa técnica para a paciente:
— Olha, faça isso, faça aquilo, experimente aplicar esta técnica em casa e, na próxima sessão, me diga quais foram os resultados.
Ele pode até se interessar por entender a origem dos sintomas apresentados pela paciente – ou seja, por que ela se tornou uma pessoa que se preocupa tanto, como isso começou, de onde vem –, mas o foco desse profissional será a eliminação do problema. Ele quer resolvê-lo o mais rápido possível. Ele quer resultados, e resultados rápidos.
Por isso, já nas primeiras sessões, ele apresenta alguma técnica à paciente, esperando que essa técnica produza algum efeito e a faça parar de se preocupar tanto. Esse terapeuta diretivo procurará, a todo custo, fazer com que a paciente volte a funcionar normalmente, pois, para ele, a psicopatologia é vista como uma disfunção da vida. O objetivo, então, é fazer com que o paciente volte a funcionar de maneira adequada.
Agora, eu vou te mostrar o que aconteceria se essa mesma paciente procurasse um psicanalista. Se, em vez de indicar um terapeuta cognitivo-comportamental, o psiquiatra indicasse um psicanalista, a abordagem seria completamente diferente.
O psicanalista não olha para as queixas dos seus pacientes como problemas a serem resolvidos. Ele não estabelece como foco primário do tratamento levar essa paciente a parar de se preocupar em excesso. Não!
A paciente chegaria e falaria sobre seu sofrimento, mas o psicanalista não pensaria:
— Nossa, eu preciso fazer com que essa paciente pare de se preocupar em excesso o mais rápido possível. Preciso eliminar esse sofrimento agora!
Não! Um psicanalista não agiria dessa forma.
Aí você pode me perguntar:
— Rangel, mas como assim? O psicanalista é um sádico? Ele não quer aliviar o sofrimento da paciente?
Claro que quer! A psicanálise é um tipo de psicoterapia, um tratamento psicológico. Então, sim, o psicanalista deseja ajudar seus pacientes a saírem de suas condições de sofrimento.
Porém, aqui vem o pulo do gato. Aqui está a grande diferença. Aqui está a razão pela qual, do meu ponto de vista, a psicanálise é muito superior às terapias diretivas.
O psicanalista sabe que aquela preocupação excessiva da paciente, aquele sintoma, na verdade, é um envelope que abriga uma carta. Uma carta que registra um conhecimento extremamente valioso sobre a paciente.
Se ele se preocupasse, como o terapeuta diretivo, em eliminar os sintomas rapidamente – e fazer isso não é difícil –, ele privaria a paciente desse valioso conhecimento embutido no sintoma dela. Afinal, essa paciente não se preocupa em excesso por acaso.
Não é um fenômeno aleatório. Isso não acontece por um "bug" no cérebro dela ou por um problema exclusivamente neurológico. Essa paciente se preocupa em excesso porque precisa. Porque, naquele momento, isso é necessário para sua vida. Porque essa foi a forma que ela encontrou para lidar com certos conflitos psíquicos, que possuem uma dimensão consciente, uma dimensão inconsciente, e/ou para lidar com certas marcas traumáticas da sua história de vida.
Por exemplo, essa preocupação pode estar ligada a conflitos com sua sexualidade. Ou pode ser que venha de uma história de vida marcada por um abandono precoce e traumático.
Se eu elimino os sintomas da paciente rapidamente, privo-a de entender o que estava sendo comunicado por meio desse sintoma. E o problema voltará a se manifestar de outra forma.
Por isso, ao invés de se colocar na posição de professor, ensinando técnicas ao paciente, um psicanalista lidando com essa paciente, que sofre barbaramente com preocupações excessivas, faria uma proposta diferente:
— Aguenta firme. Você não está mais sozinha para lidar com esse problema. Precisamos entender o que você está tentando dizer para si mesma.
Porque é isso que o sintoma é: uma tentativa de comunicação consigo mesma, mas de forma truncada, disfarçada, deslocada, simbólica.
À medida que você compreender a mensagem contida nesse sintoma, não precisará mais dele. Pois ele só existe porque foi a forma que você encontrou para se comunicar consigo mesma. Mas, se conseguir se comunicar às claras, de maneira direta e consciente, poderá, enfim, abandonar esse sintoma.
É assim que trabalhamos na psicanálise.