SINTO-ME COMO O INVÓLUCRO ABANDONADO PELA LAGARTA DEPOIS DA PUPA.
O vazio é uma ausência insidiosa, um espaço rarefeito onde o eco do que já fui ressoa mais alto que o mais lancinante grito. É a cicatriz de uma ausência que perdura, como o invólucro seco e carcomido que a lagarta abandona ao partir, vestígio silencioso de uma transformação que me foi negada. Minha essência parece ter migrado para territórios inalcançáveis, dissolvida sob o fogo brando das culpas que me consomem por dentro, até que só restasse este corpo — uma carcaça esvaziada, estéril, testemunha muda e imóvel daquilo que um dia a habitou.
A lagarta, sim, entrega-se à metamorfose com a promessa de voo, mas o invólucro, este resto morto, permanece. Ele não evolui, não esquece; é um lembrete cruel de que a transformação é sempre um ato de despedida, e nem sempre é dado a nós o privilégio de partir. Fiquei aqui, inerte e suspenso no tempo, habitando um casulo imóvel que o vento se recusa a carregar. Carrego comigo o silêncio denso, pesado, que esmaga os sentidos e sufoca o espaço onde pulsava a vida. Dentro de mim, as culpas — serpentes vorazes e implacáveis — se enroscam, dominam cada brecha, corroem as paredes vazias do que sobrou.
Quem dera pudesse partir junto, me dissolver no ritual da metamorfose, renascer como asas diáfanas, frágeis, mas livres. Quem dera pudesse romper as raízes que me acorrentam, esvaziar-me das memórias que pesam e sangram, deixar para trás a casca dura que não esquece. Mas sou feito de matéria imóvel, impregnado por lembranças que não voam, um espólio que se recusa a ser levado. O vazio, então, não é apenas o que ficou: é o que eu me tornei, um monumento mudo erguido no meio do tempo, onde nem o silêncio é capaz de descansar.
Autor: Jeovan Rangel - Texto escrito em 16 de agosto 2019.