RESISTÊNCIA EM PSICANÁLISE, O QUE É?

Hoje eu quero conversar com você sobre um dos conceitos mais importantes da psicanálise. Um conceito essencial para a prática clínica da psicanálise, que é, o conceito de resistência. Mas, para tanto, é preciso que evoquemos Sigmundo Freud nos seus primeiros trabalhos, em suas primeiras cartas que ele trocava com as pessoas que estavam se aglutinando em torno dele, quando ele começou a propor a teoria psicanalítica. Freud costumava dizer que o reconhecimento da Resistência era um elemento fundamental para qualquer pessoa que desejasse praticar psicanálise. Isso porque, a noção de resistência, nos permite olhar para os nossos pacientes de uma maneira não ingênua. Por quê? Vamos pegar um exemplo prático para que eu possa explicar isso. Suponhamos que um sujeito chegue a sua terapia se queixando de excesso de preocupações. Ele diz assim: olha, eu tendo a transformar pequenos problemas em problemas muito grandes, e aí eu me desespero, tenho crise de ansiedade e, aí, depois que o problema passa, eu percebo que eles eram tão pequenos e, que eu acabei fazendo tempestade em copo d'água. Ou seja, essa pessoa apresenta um quadro típico daquilo que tem sido chamado pela psiquiatria contemporânea, de transtorno de ansiedade generalizada. E aí qual que é a tendência que a gente tem, se nós não estivermos advertidos pela teoria psicanalítica?  Qual é a tendência que um psicoterapeuta típico tem? A tendência dele é de considerar que esse paciente quer de maneira integral - de maneira integral - que eu quero dizer, é que ele quer por inteiro, se ver livre daquele problema cem por cento curado. O que ele é quer ficar bom. Essa é a tendência natural, porque é assim que o médico, por exemplo, olha para você, caso você chega apresentando algum problema físico.  Você chega lá para o médico, fala que você tá sentindo enjoos; que você tem vomitado; que você tem tido febre, e outros sintomas. O médico parte do pressuposto que você tá querendo resolver aquele problema, mas, na clínica psicanalítica, nós não temos essa visão ingênua, superficial, sobre o que os nossos pacientes estão trazendo. A descoberta da Resistência por Freud nos adverte de que aquele paciente que vem trazendo as suas queixas, no caso aqui do nosso exemplo, queixas de ansiedade generalizada. A descoberta da Resistência nos adverte que esse paciente quer ficar curado. Ele quer se livrar desses problemas, desses excessos de preocupação; dessa tendência de fazer tempestade em copo d'água, ele quer se livrar disso, mas, ao mesmo tempo, não quer. Então podemos dizer assim - metaforicamente - que tem uma parte dele que não quer ficar curado. Tem uma parte dele que quer manter aqueles, ou aquele problema. É, isso, que o conceito de resistência nos adverte. Uma possível sabotagem ao tratamento. Então o psicanalista quando atende o seu paciente, ele parte do pressuposto de que esse sujeito conscientemente quer se livrar daqueles problemas, mas que inconscientemente, não quer.

Como o Freud descobriu a existência da Resistência.  Como o Freud teve acesso a esse fenômeno? Antes de inventar psicanálise, antes de se criar o método psicanalítico baseado na associação livre. O Freud fazia uso do método catártico que havia sido proposto pelo Augusto Bauer. E esse método consistia basicamente em pedir ao paciente encorajando-o, pressionando-o muitas vezes, a se lembrar das ocasiões em que os seus sintomas apareceram; ou, seja, tratava-se de pedir ao paciente para verbalizar as lembranças que ele tinha do momento em que o sintoma havia surgido na sua vida. E aí, o que o Freud foi observando, é que, frequentemente, os pacientes não conseguiam verbalizar essas lembranças. Às vezes o sujeito começava a contar certas coisas, mas a medida que ele ia se aproximando das lembranças traumáticas, o sujeito começava a enguiçar, por assim dizer, o seu discurso. Ele começava a resistir, a ficar angustiado, e acabava não conseguindo se lembrar daquilo que estava na origem dos seus sintomas. O Freud então observa esse fenômeno e percebe parecer que tem uma resistência ali. Parece que é uma resistência do paciente de fornecer aquilo para ele seria a chave para se curar. Porque naquele momento, o que Freud entendia, a luz do que o Bauer havia ensinado. O Freud entendeu que o que curava o paciente, era, justamente, a verbalização daquilo que tava na origem dos seus sintomas. Se o paciente não estava verbalizando o que tava na origem dos seus sintomas, o paciente então tá jogando contra si.  Ele está atrapalhando o processo terapêutico. Seria como um sujeito que precisa fazer uma cirurgia. O médico prepara tudo para fazer a cirurgia, e o sujeito diz: não! Eu não quero fazer. Não me abra. Não opere, porque eu não quero que você mexa aqui no meu corpo. 

Então Freud observa que tem uma parte do sujeito que quer ficar curado, mas tem outra parte dele que não quer. Que não quer mexer naquilo que eu curaria. Nesse sentido, nós podemos compreender a resistência como um processo defensivo. O sujeito resiste porque ele não quer que aquele ponto da sua história, ou, que aquelas questões, sejam mexidas.

E por que ele não quer? Aqui, vou apontar para você duas razões básicas. A primeira delas é que essas questões que o processo terapêutico psicanalítico, necessariamente, vai convocar, estão relacionadas às memórias traumáticas. A memória de eventos, muito dolorosos na história do sujeito. Então ele diz para si: eu não quero mexer nisso. Eu não quero me lembrar disso, porque isso, vai me fazer sofrer. Isso vai me causar uma dor muito grande. E essa dor que a lembrança vai me causar, talvez, seja pior dos sofrimentos que eu já tenho. Por ter esses sintomas, esses problemas emocionais, é que tenho justamente de esconder. Justamente para não ter que olhar para essas memórias traumáticas. A segunda possibilidade, é de que esses conteúdos que estão na minha história, e sobre os quais eu precisaria falar justamente para poder me curar. Esses elementos da minha vida estão relacionados a certas coisas, a certos, desejos, certas fantasias, que vão me causar sofrimento ao serem reconhecidas, porque elas entram em choque com os meus ideais e com a imagem idealizada de quem eu gostaria de ser. Então, se eu me lembrar dessas coisas. Se eu pensar nessas coisas. Se eu refletir sobre elas. Eu vou me sentir extremamente angustiado, porque eu vou perceber que eu tenho certos desejos que não são muito compatíveis com quem eu quero ser. Aí, está a origem da Resistência ou, a sabotagem a tratamento psicanalítico.

Então por que o paciente resiste, e por que a psicanálise permite o reconhecimento da Resistência? Porque o tratamento psicanalítico busca justamente encontrar aquilo que está na origem dos sintomas e problemas e queixas que estão apresentados por esse paciente. Na psicanálise a gente não quer apenas resolver aquele problema; a gente não quer, simplesmente, ajudar aquele sujeito a não transformar tempestade em copo d'água. A gente quer entender porque que esse sujeito transforma a tempestade em copo d'água. Por que ele se preocupa tanto? E as respostas para essas questões, estão na história desse jeito. O problema, é que na origem dessas queixas, estão certos elementos que o sujeito não quer reconhecer. E não quer reconhecer, porque como eu disse, esses elementos são fontes de sofrimentos, são fontes de dor. É por isso que o paciente resiste. Então, tem uma parte dele que quer ficar curada, que quer se livrar dos problemas; mas, tem outra parte, que não quer. E essa outra parte que não quer, não quer ficar curada, não porque seja autodestrutiva; não, porque o sujeito quer permanecer doente pela doença em si não! É porque é inconscientemente, é como o se o sujeito preferisse aqueles sintomas, do que mexer naquilo que tá na origem daqueles sintomas. Porque aquilo que tá na origem dos sintomas, pode ser mais doloroso, do que os próprios sintomas.  Agora, existem outros fatores que podem também contribuir para reforçar as resistências do paciente. Por exemplo, os ganhos secundários. O que são os ganhos secundários? São vantagens indiretas que o paciente às vezes nem percebe que as possui, ele só acaba se dando conta disso na terapia, mas são vantagens indiretas que o sujeito obtém com os seus sintomas. Por exemplo: essa pessoa que faz tempestade em copo d'água transforma pequenos problemas em grandes problemas, e tem crise de ansiedade, fica extremamente preocupada; ora, essa pessoa ao fazer isso, ao ter esse comportamento, ela pode acabar atraindo a atenção do seu namorado, uma atenção que ela não consegue tanto quanto ela gostaria. Então ela não se sente muito acolhida, muito amada, por esse namorado; mas, quando ela faz tempestade em copo d'água, o cara se aproxima, o cara dá todo aquele acolhimento que ela deseja ter, no dia-a-dia.  

Então você há de concordar comigo que se essa paciente perde esses sintomas. Se ela se cura disso, ela vai deixar de ter essa vantagem? Ela vai deixar de ter esse acolhimento, que o namorado só dá nesses momentos, em que ela tá em crise de ansiedade? Esse é um fator que pode reforçar a resistência do paciente. Pode reforçar essa tendência inconsciente do sujeito de não querer se livrar dos seus sintomas.