Às vezes, temos a tendência de aceitar apenas as coisas boas da vida como vindas da parte de Deus — aquelas que nos enchem os olhos e encantam a alma. Atribuímos a Deus tudo que é bom, conveniente e agradável. Já tudo aquilo que nos parece ruim, na maioria das vezes, atribuímos ao diabo.
Todavia, é preciso mudar essa ideia, pois, na Bíblia, encontramos vários relatos de acontecimentos que, à primeira vista, eram ruins, mas que redundaram em glória. Casos como o de Jó, que sofreu uma ação direta do próprio diabo. Ainda que saibamos que foi Satanás o agente direto em sua aflição, também sabemos que toda a sua ação só foi possível porque Deus lhe permitiu. Sem o consentimento de Deus, ele jamais poderia tocar em nada que pertencesse a Jó, tampouco em seu corpo.
Jó sofreu a ação direta do inimigo, mas somente com o consentimento de Deus. E aí eu pergunto: foi Deus ou Satanás que feriu a Jó?
Todos nós conhecemos a odisseia e os flagelos sofridos por aquele jovem hebreu até chegar ao posto hierárquico mais alto nas terras egípcias — José. Todo o infortúnio e sofrimento de sua vida, visto hoje por qualquer pessoa mística e desconhecedora da história, pareceria algo arquitetado por Satanás. Mas não foi. Foi o próprio Deus!
A vida difícil daquele adolescente entre seus irmãos, a inveja que os dominou a ponto de o venderem como escravo aos mercadores, a injustiça da mulher de Potifar, a humilhação do calabouço — seria tudo isso obra de Satanás? Suponhamos que ele tenha usado os irmãos de José, os mercadores, a mulher... Ainda assim, o fato é que nada partiu da decisão dele. Porque nada ele pode fazer sem que Deus permita. Deus é o agente de tudo.
Precisamos entender isso: aceitar as coisas boas e más como advindas de Deus. Ele está no controle. Quem manda é Ele, e todas as coisas estão sujeitas à sua vontade — inclusive o diabo.
Satanás é apenas um instrumento para o mal, e Deus pode até usá-lo para provar a nossa fé, como fez com Jó, ou para nos infligir pena. E é aqui que devemos baixar o pescoço e receber o golpe de Deus com resignação, como fez Jó: “O Senhor deu, o Senhor tomou. Bendito seja o nome do Senhor.”
Quando menino, conheci um homem cego de nascença, conhecido pela alcunha de “Zé Ceguim”. Homem crente e servo do Senhor, foi ele quem me ensinou as primeiras notas musicais no violão. “Zé Ceguim” tinha um filho com distúrbio mental, e as pessoas constantemente lhe faziam perguntas capciosas, sendo a mais comum:
— Zé, você tem um filho doido, não é?
Ele, com seu vozeirão rouco, liso e aveludado, com toda a serenidade de quem tem intimidade com Deus, respondia:
— Graças a Deus!
As pessoas, sem entenderem, logo retrucavam:
— Você dá glória a Deus por seu filho ter nascido louco?
A isso ele respondia:
— A Bíblia diz que em tudo devemos dar graças a Deus. E quando a Bíblia diz “tudo”, eu entendo como sendo tudo mesmo. Até a loucura do meu filho.
“Zé Ceguim”, em sua simplicidade, conhecia um princípio bíblico que muitos até hoje não compreendem:
> “...nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade.” (Cl 2.9,10)
Plenitude, do hebraico pleroma, é o atributo absoluto de Deus. Quer dizer que Ele governa sobre todos os príncipes e poderes do cosmos. Todos, indistintamente, estão debaixo do governo de Sua mão. Ele é absoluto sobre tudo e sobre todos.
Sendo assim, tudo vem dEle e é para Ele. Então, se conhecemos esse princípio, por que não aceitar também aquelas coisas que não nos são tão agradáveis como sendo da parte dEle? Como a perda de um bem estimado, a morte de um ente querido ou mesmo uma doença?
Por que atribuímos esses fatos ao diabo se sabemos que ele está debaixo das mãos do Todo-Poderoso e que, por si mesmo, nada pode nos fazer? E quando digo nada, é nada mesmo.
Às vezes, Deus permite que algo aconteça conosco com propósitos específicos — como foi com José e Jó. Às vezes, um mal nos sobrevém para nos livrar de um mal maior. É o cuidado de Deus. Ele nem sempre cuidará de nós passando a mão em nossa cabeça.
É como fazemos com nossos filhos: nós os amamos, mas, quando necessário, também os disciplinamos. Podemos chamar isso de “mal necessário”.
Estar debaixo das mãos do Senhor significa também aceitar os seus vergões. Baixar a cabeça para receber a guilhotina de Deus — seja pelas mãos de Satanás, do curso da natureza ou diretamente do próprio Deus. O fato é que, de qualquer forma, tudo vem dEle, pois Ele é absoluto.
Ele tem o governo de todas as coisas e, quanto a nós, cabe nos humilharmos debaixo da potente mão de Deus e dizer:
> Senhor, eis-me aqui. Faz de mim o que bem quiseres. Quebra-me, amassa-me, estica-me — mas faz-me conforme o teu querer e a tua vontade.
Fazendo assim, sofreremos, sim — mas com a certeza de que estamos nas mãos de um Deus vivo, que corrige, disciplina, restaura, conforta e dá vitória. Isso porque Ele nos ama. E seu amor é incondicional.
Quando Paulo escreve o texto base usado por nós, ele mostra que o cristão avalia o presente com base na certeza do futuro. Porque, sendo nós os verdadeiros israelitas em quem se cumpre o primeiro e grande mandamento de Mateus 22.37–38, nosso amor a Deus é evocado pelo conhecimento de que Ele nos amou primeiro (Rm 5.5–8).
Que o Senhor nos ajude a amá-lo sobre todas as circunstâncias e a receber todas as coisas como vindas da parte dEle, entendendo que estamos guardados e protegidos por sua destra e pelo seu amor.
Amém!
Tenham uma semana abençoada na presença dEle.
— Jeovan Rangel